sábado, 16 de setembro de 2017

tenho pensado em Deus, nas coisas de nossa convivência.
temos caminhado bem. creio.
Ele me vem a qualquer hora. sempre que quer.
não me falta.
mas já não me pesa.
se antes por pensamentos e palavras, atos e omissões me julgava, condenava, 
superou essa mania...
ficou apenas Deus e imenso.
d’Ele me lembro nas  muitas ocasiões de meu dia, e também o esqueço displicente
sem aborrecimento de Sua parte.
fazemos juntos os trechos de minha existência. Ele, Aquele que é;
eu, apenas o que posso.
peço só que me faça pródigo em reconhecê-lo Pai
capaz da festa, do canto e da justa indignação
e assim acordados, seja  a vida  dom, dádiva, divina
e Seu nome santificado.

quinta-feira, 20 de setembro de 2012

Fazer-se homem


Fazer-se homem. Compor-se.
De tempo, saudade  e outras distâncias
Entre sombras e descaminhos
Além dos sonhos e apesar dos desencantos.


Fazer-se homem. Compor-se.
De liberdade, altruísmos e demais coragens
Apesar das lágrimas e além das mágoas
Entre escolhas e esquecimentos.


Fazer-se homem. Compor-se.
Além do medo e dos devaneios
Apesar de si mesmo, dos soslaios e de todos os meneios
De algum silêncio e de toda amplidão.


Fazer-se homem. Compor-se.
De tudo quanto se é e de nada
Além das ninharias e apesar das impossibilidades
Entre amigos, abraços e máximas alegrias.


Fazer-se homem. Compor-se.
De ideias, sistemas e das sabedorias antigas
Entre demoras e grandes esperanças
Além dos desassossegos e apesar dos longos dias.


Fazer-se homem


terça-feira, 15 de novembro de 2011

(...)

No tempo em que meus olhos nos teus cabiam, minha vida na tua não era só lembrança. Agora, porém, me vês apenas de soslaio,  e os teus olhos já não vejo.
Mas se os meus tu novamente fitares, dirão:
- “volta”,
e se tu então escutá-los
 – Escuta-os! –,
haverá mais que lembranças e minha vida, de novo na tua, será completa.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

[ ]

Nem aqui nem ali, estou sempre em mim mesmo pra não me perder.
Não tenho espelhos, rasguei os mapas e não quero rotas.
Olho calmo meus pés e uma estrada incômoda. Às vezes há uma ânsia, vez ou outra, um vício. É tudo um círculo, uma volta, mas eu fico. Nem sina nem cisma, um princípio.
E além do batente um mundo imenso.
Fecho os olhos, esqueço...
Um precipício.
Quem sou eu?!... Quem sou?!...
Quem souber morre.

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

o que quero

estou no tempo como que perdido
e não sei quem sou
sei que dessa vida quero coisas poucas
[que são tantas
um lugar, um descansar e um sorriso calmo
qualquer noite fria de luar e um abraço cheio
me repartir em um só pra ser dois com quem de mim se faça outra parte,
ainda que não me seja igual
uma saudade pra doer de madrugada na cama sem companhia
e uma dor de cotovelo, tênue, sem sobressaltos, pra não esquecer que é possível perder
um corpo nu em conjunção com o meu pr'eu esquecer que sou só
uma música bonita que faça recordar coisas sonhadas
plena de pausas de pequenos sons inaudíveis
e estar sendo
e ir sem chegar
e ficar
e,
depois de mais nada,
nem ser nem estar
nem saber]
.



sábado, 30 de julho de 2011

O que tenho

Se eu tivesse um verso e poeta fosse,
talvez te cativasse,
mas tudo em mim é silêncio e ausência
- incapacidade de ser
O que possuo não te serve.
Só posso espreitar-te, olhar-te
e transcendido de desejo esgotar-me
nessa vontade de ti que não passa.

segunda-feira, 25 de julho de 2011

Formas de dizer

Desde que nasci, o que se fez sem que de mim considerassem anuência ou discordância, cumpro a sina de existir sem tréguas. E, porque, às vezes, disso me canso, e agora já não mais tenho a inocência da criança que brinca de colorir qualquer papel numa insistência teimosa de dar ao mundo feições da alegria própria de quem se encanta, procuro fazer com palavras parcas, pois delas sei pouco, uma aquarela de meus dias, inventando aquilo que não há, em realidades que não são, de coisas que nunca vi, mas que imagino.
Por isso, peço que não me levem tão a sério, não tenho pretensões, aqui não há oficio, só repouso, um lugar pra minh’alma descansar. Quando posso, me arrisco entre palavras, mas se elas não me valem, falham ou findam, não há em mim tristeza ou dor. Tenho aprendido, caros amigos, quase já sei, que nem sempre pronúncias são possíveis, há vezes, e são tantas, apenas no silêncio é que cabemos. Nessas  formas de dizer nos movemos, existimos e somos. O mais é espera.



quinta-feira, 2 de abril de 2009

Uma prece talvez

A Cleide (Keu)
Os homens são o que aprendem ser.
Os puros de coração veem melhor.
Que eles nos ensinem.

Haverá quem me chame de louco por dizer de minhas verdades o essencial. Serei assim mesmo e com todo zelo. Não me vestirão roupas que me desnudam nem me levarão aos buracos de sua cegueira. Estarei sempre no avesso de seus conceitos. Imagino uma outra globalização.
Pouco me importo se dizem que minto e me escondo. Não quero suas receitas, seus mapas, suas pistas. Não nasci para suas bandeiras e seus sistemas, não me cabem suas bolsas sem valores. Há muito me incomoda esses ciscos nos olhos e toda essa imprecisão. Que fiquem com suas traves e com seu jogo. Deploro os seus consórcios, a comichão de suas mãos e seus sacos furados.
Os Lázaros em suas portas esperam migalhas, mas toda aquela comida é para quem entende de especulação. Estes roubaram do mundo a alma e seu deus tem pés de barro. Leviatã nada poderoso. A ele rendem um sacrifício “africano-afegão-iraquiano-latino” entre jingles meditativos e fazem cair sobre as poças de sangue chuvas de prata. E aplaudem, riem, exultam, regozijam-se.
Mas agora os vejo agonizar e pedem compaixão. Querem a parte do meu pão que ainda não levaram, mas não admito que me incluam nesse pacote de Nação. Não devo, por isso não tenho o que pagar. Vivem de suas mentiras, hão de morrer por causa delas. Nada posso fazer se construíram seu admirável mundo novo num fundamento caduco: o sol na pele negra e o tronco, os bolsões de miséria e os lixões, os ataques mal justificados e as ocupações. Tivessem misericórdia e encontrá-la-iam.
São muitos aqueles que choram sem consolo e tantos desses esbarram em mim. São mães e são mulheres; são pais e são filhos. Gente com quem compartilho a existência como uma dor; que labuta e que espera, que assiste novela e faz carnaval. E que ainda se enfeita e se ajeita pra namorar. Por vezes escondo deles minhas lágrimas e disfarço o embargo de minha voz. Os vejo e sinto sua dor e me incomodo e me comovo. Não sei ao certo o que fazer e nem posso fazer muito, disso eu sei. Por isso, acendo essa fogueira e os convido a dançar em volta, talvez assim, numa dessas voltas que o mundo dá, a claridade do fogo nos faça todos nos vermos melhor e a ciranda seja uma só e o pão seja nosso em cada dia. Assim seja!

sábado, 21 de março de 2009

Domingo no parque

Aquele era um domingo ensolarado como tantos outros. João é que não estava o mesmo. Tomou banho e vestiu-se entre cantos e assobios. Depois saiu apressado levando no rosto uma expressão de ansiosa alegria. Ia para o parque.
João trabalhava numa construção próxima a uma feira livre. Todos ali o conheciam bem. Tornou-se popular pelas tantas confusões que provocava. Brigava quase sempre. As pessoas daquele lugar perderam a conta de quantas vezes o viram mostrar como dominava a arte da capoeira. Se dissessem ou fizessem algo que o ofendesse, lá estava ele fazendo suas pernas girarem no ar. Não é que João fosse má pessoa, não! Era só alguém que não sabia levar desaforo pra casa.
Entre aqueles feirantes, João fez um grande amigo, o José. Rapaz simples, boa praça, brincalhão, estimado por muitos. Na hora do almoço, João pegava sua marmita e ia para a barraca do amigo. Almoçavam, conversavam, riam... Havia entre eles, e isso qualquer pessoa que olhasse veria, uma cumplicidade tal que os assemelhava a irmãos.
Numa dessas conversas José disse a João que estava gostando de alguém, que haviam saído algumas vezes e que parecia que as coisas entre eles ficariam sérias. Pensava em ir, o quanto antes, conhecer os pais dela. Eram já adultos, donos da própria vida, mas ela era moça de família, por isso queria fazer tudo corretamente. Não disse o nome da moça, apenas que morava perto da Boca do Rio. O amigo João ouvia atento e demonstrava alegria por ele.
Depois dessa conversa, João se pôs a pensar que talvez também já estivesse na hora de encontrar alguém para dividir a vida com mais intimidade, de forma mais séria. Matinha um ou outro caso, mas tudo muito rápido, sem compromisso. As mulheres gostavam do seu tipo forte e vigoroso, e ele adorava andar sem camisa expondo os braços, o corpo malhado pelo trabalho duro e pelo esporte a que se dedicava. Gostava mesmo de se exibir e de namorar também, porém tudo o que José disse o levou a refletir sobre o modo como levava a vida.
Certo dia no ônibus que pegava para ir ao trabalho, cedeu seu lugar a uma jovem que se aproximou dele com alguns livros na mão. Ela aceitou e agradeceu o favor. A poltrona era uma daquelas mais altas da condução, de modo que os dois ficaram próximos e puderam conversar um pouco. Ele perguntou o que ela estudava e ela respondeu que estava fazendo um curso de radiologia. Ele disse que trabalhava na construção de um prédio. Ela disse que também seu pai trabalhou a vida inteira na construção civil. Conversaram sobre outras coisas triviais como essas, até que chegou o ponto onde ela saltou depois de agradecer mais uma vez e despedir-se. E durante todo o dia João pensou naquela moça. Não sabia seu nome e não perguntou, porque não se pergunta o nome de alguém que se conhece em um transporte coletivo. Mas sua fisionomia lhe ficou muito viva na lembrança. Decidiu que no dia seguinte sairia no mesmo horário para tentar revê-la e assim o fez.
Por duas semanas seguidas os dois se encontravam no ônibus e conversavam. Disseram um ao outro o próprio nome. Não admitiram logo, mas estavam se deixando envolver. Pouco tempo depois, começaram saltar um ou dois pontos antes daquele no qual ela costumava saltar, para poderem conversar mais tranquilamente. Daí não demorou muito para João dizer que estava interessado nela, que nas últimas semanas ela lhe absorvia todo o pensamento. Ela reconheceu que também estava gostando dele, mas estava se envolvendo com outro rapaz e não queria enganá-lo. Pediu que João lhe desse um tempo para acertar sua situação com o outro e os dois poderem ficar juntos.
De tudo isso que estava acontecendo consigo, João nada disse ao amigo. Este o percebia mais pensativo, meio alheio às conversas, mas se perguntava, João dizia não ser coisa importante. O amigo respeitava e ele se esforçava para parecer o mesmo de sempre, mas já não era. Tinha esperança de que logo diria a José que também ele havia encontrado alguém especial com quem teria um relacionamento sério.
Depois de quase um mês, numa daquelas manhãs, uma sexta-feira, encontraram-se novamente, e ela, após saltarem do ônibus e chegarem a um lugar mais reservado, envolveu com seus braços o pescoço de João e lhe disse que estava livre, que poderia estar com ele com a consciência tranqüila, porque na noite anterior havia terminado com o outro rapaz. Ele tinha ficado triste e até furioso, mas com o tempo, ela estava certa, iria esquecê-la e encontrar outra pessoa. João a abraçou firme e beijaram-se. Ela seguiu para o curso, ele foi satisfeito para o serviço, sem disfarçar a alegria que lhe tomava.
Nesse mesmo dia, na hora do almoço, pegou sua marmita e foi para a barraca de José decidido a contar tudo, a compartilhar com ele a sua alegria, mas José estava sombrio, triste. Sequer lhe recebeu com alguma de suas brincadeiras como sempre fazia. Ficou tentando imaginar o que poderia ter acontecido, mas José não fez qualquer suspense; contou-lhe tudo na mesma hora. Sua namorada, começou ele, já havia algum tempo estava diferente, distante. Ele lhe perguntava o que estava acontecendo, se tinha algum problema, se poderia ajudar de algum modo, mas ela dizia que nada demais, que estava cansada ou preocupada com alguma coisa pequena. Entretanto, não compreendia o porquê de na noite passada ela lhe ter dito que queria acabar tudo entre eles, porque já não gostava dele como antes. Não queria magoá-lo, apenas terminar aquele relacionamento e que seus pais já sabiam e apoiavam sua decisão, que ele seguisse sua vida, que certamente encontraria alguém que gostasse dele realmente. Até tentou contra-argumentar, mas ela estava decidida, acabava ali seu relacionamento com ele. João ouviu tudo com muita atenção e não teve coragem de contar sua história para o amigo. Era hora de ser solidário, de apoiá-lo. Deixou para depois.
Como havia marcado no último encontro com sua nova namorada, João chegou ao parque às dezesseis horas pouco depois também ela. Abraçaram-se, beijaram-se afetuosamente e ele lhe presenteou com uma rosa. Depois, de mãos dadas, foram comprar os ingressos para a roda gigante e sorvete. Subiram no brinquedo e riam, se divertiam, estavam felizes. José também resolveu ir para lá, queria espairecer, esquecer os problemas. Gostava daquele lugar, viveu bons momentos ali com sua ex-namorada. Ao chegar, dirigiu-se ao sorveteiro, e enquanto esperava, olhava as pessoas nos brinquedos, pensando em qual iria brincar. Foi assim que viu na roda gigante João com uma companhia ao seu lado. Inicialmente não enxergou bem, pagou o sorvete e foi na direção do brinquedo no qual tinha visto o amigo. Sentiu-se zonzo quando reconheceu ao lado do amigo, Juliana. Ele tinha uma rosa não mão. Tudo fez sentido para ele. Ela o havia deixado por causa de João. Entendeu que havia sido traído por sua namorada e por seu amigo. Ficou parado diante da roda gigante pensando tudo isso com a racionalidade de um louco.
O brinquedo parou e as pessoas foram descendo, e assim também João e Juliana, que não viram logo José. Quando o reconheceu João sorriu e foi ao encontro dele com a confiança de sempre, arrastando a namorada, que sem que ele percebesse, relutava para não ir e quis abraçá-lo, entretanto, José o afastou. João não compreendeu aquele gesto até que ele o chamou de maldito, traidor e o acusou de ter roubado sua namorada e a acusou também de tê-lo enganado. Então João compreendeu o que estava acontecendo, mas era tarde. José havia conseguido não se sabe como, uma faca com a qual se atirou contra o casal, matando um e depois o outro. E saiu dali correndo desvairado, o José, não mais brincalhão, que logo a polícia prendeu.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

A vela








A vela em seu trabalho faz a luz que por hora me ilumina e a vida transcorre lenta seu curso neste instante que assumo meu. Enquanto a vela se consome e produz tal claridade, busco a palavra, certa ou não, que seja capaz de dizer da minha ânsia e do meu cansaço de existir sem tréguas. Eu quero a ponte entre estes meus dias e um outro lado que vislumbro sem ver e que talvez exista.
Há uma música que escuto nas trevas desse silêncio. São canções pequenas, de uma nota só. Mas minhas tristezas não cabem num acorde e eu já não canto. Dias houve que foram belos e havia mais luminosidade no meu quarto.
Na verdade, como homem vivo de palavras, pão cotidiano de minhas labutas, e recolho entre as mãos as alegrias que me couberam, não muitas nem poucas, apenas simples e belas; as que eu soube ter, feitas de sorrisos, de cuidados maternos e de alguns prazeres.
Nessa vela fito a linguagem de um mistério que não está aí. Ela se apequena, mas não a sua luz. E eu nos meus passos vou por caminhos de inconstâncias, tropeço em ausências e às vezes caio. Há os que me oferecem atalhos, mas eu procuro a ponte.